2.2.15

Porque Devemos Aprender a Mentir

A aceitação da mentira já foi certamente algo mais comum. Hoje, é injustamente condenada por pessoas chatas, aborrecidas e mentecaptas. 

Um mentiroso cultivado é quase sempre uma pessoa fascinante de conhecer.
Para ele, a verdade constantemente debitada é para pessoas com falta de imaginação. 
Quem apenas a verdade diz nada impulsiona. Mas um mentiroso empurra barreiras. Para ele os factos são aborrecidos e, acima de tudo, nunca serão suficientes. 
Ele mente para empurrar o seu próprio raciocínio, para aumentar o seu campo de pensamento e, por vezes, dos que por ele se deixam influenciar. 
É paradoxal, mas é importante aprendermos a reconhecer um mentiroso — para dele podermos retirar o máximo que tem para nos dar — infinitamente mais do que uma pessoa que não mente.

Se na pré-história eram precisos vinte homens para caçar um mamute e fornecer comida à família, apenas um mentiroso foi necessário para dizer que derrotou e cozinhou um mamute sozinho. E se foram os vinte que de facto conseguiram alimentar a família, foi o mentiroso, sozinho, que com a sua imaginação fez progredir a arte — criando uma história que viria a fomentar centenas de lendas e fantasias.

O mentiroso não tem de ser vil. Ele quer encantar, deleitar e causar prazer. Sem ele, a sociedade perderia todo o seu encanto.

Se a vida é a verdade, então a verdade não poderia ser menos desejável. Assim como a vida, ela é monótona e repetitiva — igual em si própria, em todos os seus pequenos padrões controlados. 

E são as mesmas pessoas, hipócritas, que condenam um mentiroso mas veneram outro, como um político ou um amigo corrupto socialmente bem colocado.

A natureza é toda em si um lugar comum. A imaginação, não. Quando falhamos, o erro deve-se na maioria das vezes ao facto de não nos conseguirmos desligar de nós próprios — do mundo em que vivemos. E, por mero consolo, como que por prova de que estamos vivos, apresentamos às pessoas que supostamente amamos a coisa mais aborrecida que o mundo tem — factos e imagens da realidade. Porque se a realidade é deprimente q.b., uma imagem da realidade é infinitamente mais desprezível.



——————————



A Importância da Mentira na Arte

A verdade é a morte da imaginação, infelizmente tomada como uma qualidade nos dias de hoje. 
Assumimos que devemos dizer sempre a verdade, pelo simples facto de sermos ensinados assim.
Quando de facto o que importa é a máscara, a mentira; e nunca o que ela esconde.
Isso explica porque existem mais pessoas comuns do que artistas.

Fazer arte é mentir ao nosso espectador, é distorcer a realidade — é enganar os seus sentidos, estimulando-os ao mesmo tempo.

A arte, ao imitar a natureza, faz exactamente o que a arte não deve fazer — copiar. Ela deve vir de nós, da nossa imaginação. Do potencial que muitos têm, mas que poucos usam.
A arte possui o que a natureza não tem nem pode ter. E logo não deve imitá-la. O intelecto deve ser sempre superior à realidade. 
Por isso é que as pessoas supérfluas olham para fora, e as sublimes para dentro.

“A imaginação tem flores e aves que a natureza nunca conheceu.”

Ao contrário do que se pensa, a vida imita mais a arte do que a arte imita a vida. Oscar Wilde já defendia que a natureza urge a copiar tudo o que é inovador.
São exemplos disso as ondas de vandalismo que surgiram depois do filme A Laranja Mecânica, ou a quantidade de pessoas que subitamente tentaram confeccionar drogas caseiras ou tirar um curso de advocacia depois de assistir a Breaking Bad ou The Good Wife (respectivamente).

Outro exemplo prático acontece no mundo da fotografia.
Embora hoje muita gente se considere um fotógrafo por comprar uma máquina fotográfica, a verdade é que nem a máquina mais cara do mundo pode evitar com que um tolo seja apenas um tolo.
A sua falta de imaginação vai fazer com que fotografe meramente motivos banais, como o pôr do sol, ou pior, a si mesmo; o que por sua vez fará com que se sinta satisfeito — esquecendo-se do verdadeiro objectivo da fotografia. 

Fotografar o pôr do sol é para pessoas sem imaginação. Por mais belo que seja presenciar um, não devemos cair no erro de tentar captar a simplicidade da natureza numa arte tão complexa como a fotografia. Além disso, Turner já nos deixou pores do sol suficientes, e, diga-se, bem melhores que 90% das fotografias contemporâneas.

Um artista não retrata as coisas como são, mas como podem ser. Ele mistura duas tintas: a realidade, e a sua imaginação; tentando utilizar o menos possível da primeira. A arte não representa a realidade e não o deve fazer. Para isso existe a realidade. 

O artista deve ser apreciado pela sua visão. Se ele pinta o que o público quer ver até poderá ter algum sucesso momentâneo, mas rapidamente irá cair no esquecimento.

E é por isso que devemos aprender a mentir.
Mentir em nome da arte, da criatividade, da diversão.
Não falo da mentirinha — ou mentira por conveniência. Não falo da mentira que possa magoar alguém. Falo do mentir por mentir — pelo prazer de o fazer — mentir com o intuito de embelezar discursos, textos, músicas e outras obras de arte — com o intuito de nos levar, e à arte, mais além.

É na mentira que a arte alcança o seu valor mais elevado, pois a beleza é eternamente mais relevante do que a verdade.

Sem comentários:

Enviar um comentário