2.2.15

Porque Devemos Aprender a Mentir

A aceitação da mentira já foi certamente algo mais comum. Hoje, é injustamente condenada por pessoas chatas, aborrecidas e mentecaptas. 

Um mentiroso cultivado é quase sempre uma pessoa fascinante de conhecer.
Para ele, a verdade constantemente debitada é para pessoas com falta de imaginação. 
Quem apenas a verdade diz nada impulsiona. Mas um mentiroso empurra barreiras. Para ele os factos são aborrecidos e, acima de tudo, nunca serão suficientes. 
Ele mente para empurrar o seu próprio raciocínio, para aumentar o seu campo de pensamento e, por vezes, dos que por ele se deixam influenciar. 
É paradoxal, mas é importante aprendermos a reconhecer um mentiroso — para dele podermos retirar o máximo que tem para nos dar — infinitamente mais do que uma pessoa que não mente.

Se na pré-história eram precisos vinte homens para caçar um mamute e fornecer comida à família, apenas um mentiroso foi necessário para dizer que derrotou e cozinhou um mamute sozinho. E se foram os vinte que de facto conseguiram alimentar a família, foi o mentiroso, sozinho, que com a sua imaginação fez progredir a arte — criando uma história que viria a fomentar centenas de lendas e fantasias.

O mentiroso não tem de ser vil. Ele quer encantar, deleitar e causar prazer. Sem ele, a sociedade perderia todo o seu encanto.

Se a vida é a verdade, então a verdade não poderia ser menos desejável. Assim como a vida, ela é monótona e repetitiva — igual em si própria, em todos os seus pequenos padrões controlados. 

E são as mesmas pessoas, hipócritas, que condenam um mentiroso mas veneram outro, como um político ou um amigo corrupto socialmente bem colocado.

A natureza é toda em si um lugar comum. A imaginação, não. Quando falhamos, o erro deve-se na maioria das vezes ao facto de não nos conseguirmos desligar de nós próprios — do mundo em que vivemos. E, por mero consolo, como que por prova de que estamos vivos, apresentamos às pessoas que supostamente amamos a coisa mais aborrecida que o mundo tem — factos e imagens da realidade. Porque se a realidade é deprimente q.b., uma imagem da realidade é infinitamente mais desprezível.



——————————



A Importância da Mentira na Arte

A verdade é a morte da imaginação, infelizmente tomada como uma qualidade nos dias de hoje. 
Assumimos que devemos dizer sempre a verdade, pelo simples facto de sermos ensinados assim.
Quando de facto o que importa é a máscara, a mentira; e nunca o que ela esconde.
Isso explica porque existem mais pessoas comuns do que artistas.

Fazer arte é mentir ao nosso espectador, é distorcer a realidade — é enganar os seus sentidos, estimulando-os ao mesmo tempo.

A arte, ao imitar a natureza, faz exactamente o que a arte não deve fazer — copiar. Ela deve vir de nós, da nossa imaginação. Do potencial que muitos têm, mas que poucos usam.
A arte possui o que a natureza não tem nem pode ter. E logo não deve imitá-la. O intelecto deve ser sempre superior à realidade. 
Por isso é que as pessoas supérfluas olham para fora, e as sublimes para dentro.

“A imaginação tem flores e aves que a natureza nunca conheceu.”

Ao contrário do que se pensa, a vida imita mais a arte do que a arte imita a vida. Oscar Wilde já defendia que a natureza urge a copiar tudo o que é inovador.
São exemplos disso as ondas de vandalismo que surgiram depois do filme A Laranja Mecânica, ou a quantidade de pessoas que subitamente tentaram confeccionar drogas caseiras ou tirar um curso de advocacia depois de assistir a Breaking Bad ou The Good Wife (respectivamente).

Outro exemplo prático acontece no mundo da fotografia.
Embora hoje muita gente se considere um fotógrafo por comprar uma máquina fotográfica, a verdade é que nem a máquina mais cara do mundo pode evitar com que um tolo seja apenas um tolo.
A sua falta de imaginação vai fazer com que fotografe meramente motivos banais, como o pôr do sol, ou pior, a si mesmo; o que por sua vez fará com que se sinta satisfeito — esquecendo-se do verdadeiro objectivo da fotografia. 

Fotografar o pôr do sol é para pessoas sem imaginação. Por mais belo que seja presenciar um, não devemos cair no erro de tentar captar a simplicidade da natureza numa arte tão complexa como a fotografia. Além disso, Turner já nos deixou pores do sol suficientes, e, diga-se, bem melhores que 90% das fotografias contemporâneas.

Um artista não retrata as coisas como são, mas como podem ser. Ele mistura duas tintas: a realidade, e a sua imaginação; tentando utilizar o menos possível da primeira. A arte não representa a realidade e não o deve fazer. Para isso existe a realidade. 

O artista deve ser apreciado pela sua visão. Se ele pinta o que o público quer ver até poderá ter algum sucesso momentâneo, mas rapidamente irá cair no esquecimento.

E é por isso que devemos aprender a mentir.
Mentir em nome da arte, da criatividade, da diversão.
Não falo da mentirinha — ou mentira por conveniência. Não falo da mentira que possa magoar alguém. Falo do mentir por mentir — pelo prazer de o fazer — mentir com o intuito de embelezar discursos, textos, músicas e outras obras de arte — com o intuito de nos levar, e à arte, mais além.

É na mentira que a arte alcança o seu valor mais elevado, pois a beleza é eternamente mais relevante do que a verdade.

16.8.14

Parem de Tornar Famosas Pessoas Estúpidas

Se uma VIP é uma Very Important Person, o que parece que nos andamos a esquecer é de reparar no que tornou essa pessoa famosa, se é algo que justifique a nossa admiração e apoio.

Atribuímos uma dose demasiado elevada de credibilidade a uma pessoa pelo mero facto de ser famosa. 
Não parecemos conseguir separamos a sua imagem (ou que nos atrai muitas vezes, de facto) do que deveria ser o alicerce da sua fama.

Os nossos gostos dizem muito de nós. Diria mesmo até que nos definem. Será que não deveríamos cultivá-los, nem que seja um bocadinho? 

Não chega gostar, ou pelo menos não deveria chegar. Seria bom, uma vez na vida, entendermos porquê, procurar a razão pela qual gostamos de algo.

Embora tal raciocínio pareça óbvio, duvido que muita gente o faça... Caso contrário seria impossível explicar a popularidade de uma panóplia de indivíduos medíocres que pairam nas redes sociais e outros suportes mediático a que temos acesso.

De casos menores, como raparigas que moram numa terriola isolada num canto de Portugal e que pensam que são modelos fotográficos porque um amigo sexualmente inclinado por elas lhes tirou umas fotos duvidosas num edifício em ruínas com uma máquina oferecida pelos pais; a casos de gravidade mediana, como ex-concorrentes de programas de televisão medíocres que se tomam por figuras públicas (e que se sentem subitamente qualificados para opinar sobre qualquer assunto que não apenas a cor do top que toda a gente deve usar este verão); chegando aos casos de grande escala, como pagar em tempo e dinheiro para ver uma celebridade fingir ser DJ numa discoteca, ou ainda apresentadores de televisão que escrevem livros de auto-ajuda onde apenas figuram conselhos óbvios e verdades essenciais, apresentadas em escrita mansa a um público ignorante que certamente as vai gostar de ler.

E sabem porque vão gostar? Porque já sabem, antes de ler, que tudo o que lá está é verdade. E os portugueses têm disso... Gostam demasiado de ouvir a verdade óbvia.

Será correcto acreditar que alguém, por ser uma figura pública, possui uma opinião de maior valor do que o resto das pessoas? Algumas sim, mas muitas outras certamente não…

Pergunto isto porque me custa acreditar que seja o inverso... Por favor digam-me que as figuras públicas que temos não são populares por causa das suas opiniões...

Será a ida da Paris Hilton à discoteca Seven motivo para ficar horas numa fila? Ainda por cima vê-la fingir que é DJ? Será o motivo da sua fama bom o suficiente para que ela mereça o nosso reconhecimento?

Serão os vídeos de auto-ajuda de Gustavo Santos de facto uma preciosa ajuda para o povo português? Ou serão apenas um bando de verdades óbvias debitadas em série por um gajo que se esforça demasiado para se vestir bem, cujos gestos parecem estudos de laboratório com a finalidade de demonstrar algo em que espero que nem ele acredite.

Referir repetidamente que as pessoas devem acreditar nelas mesmas e que esse é o truque para superar qualquer desafio não deveria tornar ninguém famoso… mas infelizmente, entre muitos outros casos, a nossa ignorância ainda permite que tal aconteça. (Ainda me atormenta o elevadíssimo número de vendas do livro O Segredo, que obedecia exactamente à mesma fórmula de persuasão).

Parem de tornar famosas pessoas estúpidas.

22.5.14

Higiene Mental

A maioria das pessoas que conheço tratam de forma eficiente e regrada da sua higiene.
Lavam os dentes, tomam banho, aplicam meia dúzia de cremes que possivelmente nada fazem, e por aí fora…
Quando nos referimos a higiene, é a este seu lado que sempre nos referimos: o da higiene física.
Este texto é sobre o outro lado. O que poucos praticamos, mas que deveríamos praticar, pois é, em dada fase da nossa vida, o lado que mais angústia nos causa.

A vida, sobretudo a citadina, implica um constante bombardeamento de informação (sendo a maioria inútil). Uma espécie de ruído que, pouco a pouco, aprendemos a ignorar.
O problema é que, mesmo que reparemos menos nele, ele está lá, e obriga-nos a um esforço inconsciente para que o possamos ignorar.

Isto esta relacionado com um dos maiores problemas (falhas se quiserem) do ser humano. Não parecemos conseguir desligar das nossas preocupações, mesmo quando vivemos momentos em que nada podemos fazer sobre elas. 
Carregamos diariamente pensamentos que nos ocupam e nos agitam sem necessidade, dos quais gostaríamos de nos ver livres, mas não parecemos conseguir.

Um homem razoável não ignoraria as suas preocupações, mas certamente não pensaria nelas quando tal não fosse necessário - por exemplo, ao passar tempo com a sua família, ou ao tentar repousar.

Nada é mais exaustivo do que a indecisão.
Deveríamos decidir sobre algo, e não voltar atrás com o que decidimos, excepto claro, se formos presenteados com novos factos que possam influenciar a nossa decisão.

————————————

As boas notícias são as seguintes: o mais provável é que as tuas preocupações não sejam tão importantes como pensas. 
Possivelmente são completamente desnecessárias e, se nunca mais pensasses nelas, nada de mal aconteceria.

O facto é que, por falta de preocupações maiores (reais), vamos empilhando pequenas preocupações que nada possuem de verdadeiramente preocupante. 

O universo é indiferente aos nossos problemas. A maioria das outras pessoas também o é. 
Apenas a nós nos interessa essa preocupação... Será ela assim tão preocupante? Possivelmente não. 
Possivelmente não irás morrer por isso, nem ser preso, nem nada de muito grave se irá suceder. O mais provável é que com o tempo isso melhore, ou desapareça mesmo.

E portanto tenho-te a dizer das coisas que mais ouço dizer: não te preocupes. Porque a preocupação ocupa demasiado espaço na nossa vida.

De quantas preocupações que aparentavam ser enormes ainda te recordas? Possivelmente não muitas... Talvez mesmo nenhuma?

Esta fadiga moderna poderia ser de diferentes ordens, como muscular ou intelectual. Mas ambas se regeneram diariamente de forma espantosamente rápida, simplesmente dormindo.
Qual é então a fadiga que nos mói, que mais nos ocupa e angústia?
Sem dúvida, a fadiga emocional.

A fadiga emocional, ao contrário das outras, impede em si o descanso. 
Quantas noites mal passadas não terão tido já as pessoas do nosso mundo por questões emocionais...
Mas como resolver então esta questão? 

Não é fácil...
Os psicólogos têm estudado muito a acção do inconsciente sobre o consciente, mas o oposto foi bastante menos explorado.

Um truque que podemos usar, ao contrário do que parecemos gostar de fazer, é pensar constantemente sobre o assunto. Ocupar todo o nosso consciente com o que nos preocupa para que, ao descansar, o nosso inconsciente tenha mais informação para trabalhar, podendo eventualmente aparecer com melhores soluções. 

O mesmo acontece com o medo.
As pessoas têm medo das mais diferentes coisas. Sejam elas uma doença grave, encontrar a sogra na rua, ou padecer de um novo ataque de ciúmes, o melhor modo de enfrentar o medo é pensar nele. 
Todas as formas de medo se agravam se não as enfrentarmos.

Todos nós procuramos por vezes prazeres fáceis e superficialmente atraentes. Mas são também estes os que mais nos desgastam.
O homem sensato entrega-se aos prazeres da vida, mas apenas até ao ponto em que estes não o desgastem por completo.
Se o fizer, cometerá o erro de estar demasiado exausto para que deles possa usufruir de forma plena.
Os prazeres requintados, por sua vez, apenas nos estão acessíveis se não nos deixarmos desgastar pelos mais básicos.

O maior problema do medo é que age como uma cortina entre o homem e a realidade, impedindo-o de ver claramente e ajuizar correctamente o que nela acontece.


Devemos pensar intensivamente sobre o que nos amedronta. Deste modo os nossos medos tornar-se-ão mais familiares e, consequentemente, como tudo o que nos é familiar, começarão progressivamente a perder interesse.

23.7.13

Verdadeiras Intenções

Um dos maiores dilemas (se não o maior) com que temos de viver prende-se com a repreensão dos nossos desejos mais básicos. Entre eles, quero aqui falar de dois que deveriam coexistir numa harmonia quase divina, mas que muitas vezes acabam por se revelar antagónicos: amor e sexo.

Ainda não alcançámos uma fase de desenvolvimento social suficiente para que possamos abertamente admitir as nossas verdadeiras intenções em relação a outra pessoa. E isto tem um fundamento. Imagine-mos por segundos que, ao conhecer alguém por quem temos interesse, revelaríamos as nossas intenções em poucos minutos de conversa. Para além de assustar a pessoa, iríamos possivelmente assustar-nos a nós também.
Se quisermos amar alguém e o expusermos deste modo, iremos sempre parecer lamechas. Se nos anunciarmos como um predador sexual com apressado e sedento interesse de levar alguém para a cama, iremos parecer superficiais.

O ponto é que, em ambos os casos, o que nos impede de nos declararmos é a mesma coisa. O mesmo tabu. O mesmo medo.

Como poderia tal questão ser resolvida (ou pelo menos atenuada?)

Primeiro que tudo seria importante reconhecer que nenhuma destas necessidades (sexo e amor) é mais moral do que a outra. De facto, ambas as necessidades partem de profundos sentimentos e desejos inerentes ao facto que representa ser um ser humano.

Em segundo lugar deveríamos tornar menos fustigantes este tipo de declarações.

Qualquer uma delas, já que, como vimos, ambas apresentam uma necessidade humana perfeitamente normal.

Rejeição

No pior dos casos somos rejeitados.
E depois? Qual é o problema da rejeição?
Nenhum…
De facto a nossa vida continua e, pensamos para nós, que a outra pessoa é que fica a perder.
E temos toda a razão em não nos chatearmos.

A rejeição não é algo premeditado.
É um processo automático, inconsciente e, regra geral, imutável.
Quem nos rejeita não nos deseja mal. Não tem é normalmente outra alternativa.
E não tem outra alternativa porque simplesmente não tem interesse em nós.

Quantas pessoas muito simpáticas já nos cortejaram… e não para lá estávamos virados?
Até podemos ter desejado desejar essas pessoas.
Por serem simpáticas, por se assemelharem ao que poderia ser uma relação estável e positiva.
Mas não nos aqueciam, não nos arrefeciam…

O que nos magoa na rejeição é o facto de a analisarmos como um juízo a nós, a todo o nosso ser.
Ela não rejeitou apenas o nosso exterior.
Rejeitou tudo, sem sequer conhecer metade.
É daí que parte a nossa frustração.

É importante entender que, por vezes, uma rejeição é apenas uma rejeição.
Nada mais.

O problema do desejo

No caso de não sermos rejeitados devemos sorrir e ir, finalmente, ao encontro do que pretendíamos.
Seja tal coisa sexo ou amor, entramos agora numa nova etapa com o nosso ser desejado.

O erotismo pode ser definido como a promessa de prazer que (preferivelmente de forma inconsciente) a outra pessoa nos desperta. Esta definição apresenta em si um problema.

O erotismo não é um acto, é uma promessa do acto.
Isso explica porque o sonho é melhor do que a realidade.
Explica ainda porque temos desejos maiores por algo ou alguém que não possuímos.
Explica ainda porque, a longo prazo, os casais tendem a cair numa quebra sexual inevitável.

O paradoxo de todo este tempo termos estado a tentar abrir uma porta para podermos satisfazer as nossas necessidades, para entender que é a mesma porta que abrimos que se vai fechando em nós, em tom de inconveniente pelo que até agora conseguimos.

Outro dos problemas prende-se com a crescente liberalização do sexo e da vida sexual (entenda-se vida sexual como um termo mais lato, um fenómeno mais amplo que apenas o acto sexual). A sociedade dita-nos que não precisamos de nos "tapar" com roupas e que o sexo deve ser quase visto como um desporto ao nível de quem joga sudoku enquanto toma o café da manhã.

Ao contrário do que se possa pensar, isto não faz com que as pessoas façam mais sexo.

Pelo contrário, a exposição excessiva corta o mistério de que tanto precisamos para sentirmos atracção forte e duradoura por alguém e a banalização do sexo acaba por ser apenas e somente isso: banalização.

Julgar Um Livro Pela Capa

A sociedade dita que não devemos julgar alguém pela sua aparência.
Que é insultuosamente superficial fazê-lo.
Que apenas devemos e podemos fruir interesse por alguém depois de a conhecer bem, de entrar em contacto com o seu íntimo.
Que devemos valorizar mais o interior do que o exterior.

Como podemos então explicar que, por vezes, nos apeteça dormir com alguém que acabamos de ver? Mesmo antes de a conhecermos? Por vezes tendo por base uma mera fotografia?
Porque precisamos de ter uma justificação mais plausível do que "a pessoa tem bom aspecto".
Porque desvalorizamos a atracção física deste modo?

Em suma, porque a achamos superficial.

Quando, no fundo, é tudo menos isso.
É complexa.

De modo a não dependermos de valores subjectivos, vou recorrer à ciência, mais precisamente, à biologia evolutiva.
Ela diz-nos que existe uma lógica, uma razão simples para a beleza nos atrair.
Ela promete saúde.

Mas mais do que isso, a beleza promete outra coisa: felicidade.
E mesmo se tratando apenas duma promessa, por vezes é forte demais para nos passar despercebida.

A beleza fascina-nos e, de algum modo misterioso (e quanto mais melhor), nos diz porque queremos estar com alguém de quem pouco ou nada conhecemos.
Neste sentido a beleza não pode ser considerado algo superficial, mas sim complexo.
É fácil ser "giro", mas é complexo ser "bonito", no sentido em que ser "bonito" transcende o aspecto físico de alguém.
No sentido em que, mesmo sem termos consciência, dizemos que alguém é bonito, não apenas pelo seu mero aspecto físico, mas porque algumas particularidades desse mesmo aspecto físico nos estão a revelar algo do interior da pessoa.

Está provado que existem traços exteriores que nos revelam qualidades interiores. E, com tempo, o nosso poder de observação das mesmas apenas tem tendência a melhorar, a se tornar um sistema mais fidigno e implacável de observação.
Há algo num sorriso que nos pode indicar tolerância, sabedoria. Que nos indica que aquele não é apenas um sorriso parvo, feliz, inocente e inconsciente. Que é um sorriso de quem sabe o que faz e o que diz.
Um penteado pode sugerir disciplina, ou falta dela. Pode transmitir uma rigidez inerente à nossa juventude, ou a liberdade de quem quase sempre fez o que queria.
Um mero formato de nariz, mais angular, pode atribuir-nos um ar mais ousado, ou mesmo intrusivo.
Há olhares que tem o poder de nos inquietar ao ponto de nos lembrar-mos deles uma vida, ou o poder de nos acalmar quando tudo parece agitado.

Há traços que nos fazem identificar em alguém, que nos agitam, que nos comovem.
Nem sempre o exterior age apenas como uma máscara superficial do um "eu" interior muito mais rico e profundo.
A aparência contém, muitas vezes, um significado genuíno, intimamente ligado ao interior que comporta.

Afinal os Opostos Atraem-se Mesmo

Quando abrimos uma porta, e deixamos alguém entrar, uma das razões pelo qual o fazemos é a de que não sabemos o que esperar.
Precisamos do imprevisto, de alguém que agite a nossa por vezes monótona vida. Alguém que não pense como nós, que não goste exactamente do mesmo, alguém que nos mostre uma versão diferente da vida.

A frase 'os opostos atraem-se' não é um mero cliché, é a maior das verdades.
Procuramos características que não conhecemos e, por óbvia consequência, das quais não somos possuidores.

Seria um tédio partilhar a vida com alguém demasiado parecido connosco. Para isso chegamos nós, e a nossa luta por não cairmos em nós mesmos.
Esta atracção pelo oposto vem de há muito tempo, da infância.
Manifesta-se tanto no amor, como na arte, e em todas as restantes áreas da nossa vida.
Quem teve a benesse duma vida refastelada, sem sobressaltos, tem enorme inclinação para apreciar formas de arte que representem formas complexas, abstractas, confusas, violentas e distorcidas. Como um quadro de Pollock.

Por outro lado, quem levou uma vida agitada, com perturbações no lar e/ou situações familiares desconfortáveis, terá certamente mais propensão para uma calma e apaziguante pintura de Rothko.
Esta atracção pelo oposto manifesta-se de igual modo nas nossas relações, fazendo-nos procurar alguém que nos complemente, que preencha um falha que existe desde que éramos apenas crianças.
Para abrirmos uma porta, temos de reunir condições muito especiais, entre elas a de não termos mais nenhuma aberta. Porquê? Digamos apenas que iria fazer corrente de ar, e isso não é bom.

Mas se para abrir uma porta devemos reunir inúmeras condições para que tudo corra bem, deparamos-nos mais tarde com um problema bem maior: quando chega a altura de fechar essa porta.
Primeiro que tudo temos de entender que, se pensamos em fechar essa porta, nunca deverá ser para abrirmos uma nova num futuro próximo.
Devemos saber viver de portas fechadas tempo suficiente. Vedar o nosso próprio acesso ao exterior. Para quê? Para nos conhecermos melhor, para aprendermos quais as melhores portas a abrir.
Esse processo é, como o leitor deve saber já, penoso.
Para além de penoso é também demorado e extremamente ingrato.
Parece sempre mais longo do que a fase em que estamos apaixonados e tudo corre bem.
Ninguém gosta de redescobrir na pessoa amada um punhado de defeitos que em tempos não foram mais do que as suas qualidades.

O maior problema aqui é exactamente esse: não queremos aceitar a mudança. Não fomos geneticamente preparados para a aceitar de forma tão rápida, por vezes abrupta e imediata. Estamos bem mais preparados para embarcar numa mudança a longo prazo.
Por isso é que, depois do choque, com o tempo, nos vamos sentido melhor.
A pessoa insubstituível não é agora mais do que um ser estranho de que conhecemos todos os defeitos e onde reconhecemos poucas virtudes.

É quase triste.

E seria mesmo triste, não fosse o facto de que chegámos finalmente à fase por que tanto ansiávamos - quando estamos preparados para, depois de um longo processo, fechar a porta.
Chegou finalmente a altura de abrirmos uma nova, de recomeçar.
De partirmos numa nova aventura com começo, meio e, inevitavelmente, fim.
E por isso, estimado leitor, não se preocupe.
Este texto cá o espera, muitas e muitas vezes.

Porque lemos tão pouco?

Estudamos para um exame para o podermos passar, ter boas notas, e prosseguir com sucesso os nossos estudos e a nossa futura vida de trabalhador.
Guiamos um carro para chegar do ponto A ao ponto B.
E no caso da leitura? Porque lê-mos. De que serve ler?
Porque lê-mos tão pouco?

A resposta é simples.
Porque não é fácil identificar um objectivo na leitura.
E, de facto, a meu ver, a literatura não tem um objectivo imediato.

Quem quer ser escritor (ou mesmo um bom leitor) não tem outro caminho senão o da leitura.
Ler torna-nos, sem dúvida, leitores mais atentos e escritores mais hábeis.
Mas se o motivo para ler aqui é óbvio, e para quem não tem interesse em ser nem escritor nem sequer um bom leitor?

Há quem já se tenha debruçado sobre isto.
Os motivos que definem a razão pela qual deveríamos ler são vários.
Há quem diga que nos torna mais inteligentes, que é crucial no nosso processo educacional.
Há quem diga que nos faz mesmo melhores pessoas, mais compreensíveis, mais elucidadas em relação à mecânica do mundo.

Embora ambos os motivos pareçam plausíveis, não o são.
Isto porque não têm em consideração um factor essencial: que livro estamos a ler.

Ler "Crime e Castigo" não terá o mesmo efeito educativo nem moral do que ler "O Cão Pantufas".

Assim sendo, podemos concluir que sim, alguns livros nos tornam mais inteligentes, podendo mesmo fazer com que questionemos as nossas mais antigas e ressequidas morais.
Mas se isto não acontece com todos os livros, o que tem a leitura (de qualquer livro) de positivo?

A meu ver, o poder da leitura, comparado ao de ver um filme, ou ao de analisar uma obra de arte numa galeria, prende-se exactamente com o oposto do que estas últimas tem para oferecer: o que está lá.

Um livro, num sentido plano, são "apenas" palavras amontoadas numa determinada ordem.
Cabe ao leitor criar o seu mundo, a sua interpretação.
Deste modo podemos dizer que cada livro é concebido não apenas pelo escritor, mas também pelo leitor.
Um livro é provavelmente a obra de arte mais subjectiva de todas as formas de arte.

Um bom livro prima mais pelo que não está lá, do que pelo que lá está.
Uma boa descrição de uma face não é conseguida utilizando vinte adjectivos, mas sim um ou dois certeiros.
Com apenas dois adjectivos não podemos dizer tudo o que a face tem, mas podemos dar a ideia do que não lá está.
O resto cabe ao leitor. O trabalho do escritor não é o de descrever tudo minuciosamente. É o de descrever o suficiente de modo a cativar o leitor de tal modo a que este se sinta compelido a imaginar o resto.

O meu ódio (quase absoluto) por livros com imagens parte exactamente dai — arruinam a beleza do livro, arruinam a imaginação necessária para o ler, aproximando-o de um filme ou de um quadro, no sentido que o tornam imagético.


———————————


Mas, em relação, podemos definir um problema ainda maior: porque tem a literatura de ser defendida deste modo?
Isto é uma mera repercussão dos dias de hoje, onde tudo o que fazemos deve ter um objectivo definido e, preferivelmente, imediato.

A literatura prima por não ter.
Ela quebra a rotina do dia-a-dia e faz-nos parar e pensar.
É esta a beleza da literatura.

O Desejo no Quotidiano

A teoria diz que, num casal, o sexo deverá ser mais frequente, visto que derrotamos a barreira do desconhecido. Mas a possibilidade permanente de termos sexo com o nosso parceiro vai matando o nosso desejo pouco a pouco. Para alem disso, sofrer uma rejeição de alguém com quem partilhamos a vida, é extremamente mais humilhante do que sermos rejeitados por uma miúda numa discoteca que não nos conhece de lado algum.

Crescer, comprar uma casa e ter um ou dois bebés é um caminho tido como padrão nesta sociedade.
E muitos casais assim alegremente o fazem.
E tudo bem.
O problema aparece quando começam a estranhar duas coisas: primeiro a falta de sexo, e depois a falta de desejo pelo sexo.
Isto não deixa de ser curioso porque, obviamente, deveria ser ao contrário.
Mas porque acontece isto?

Está à nossa volta, e é bem mais óbvio do que parece…

O registo quotidiano numa casa acaba por se tornar um processo regrado.
Se ao começo tudo funciona às mil maravilhas, com o tempo este processo torna-se cada vez mais vincado, entrando em confronto directo com o sexo, um acto que deve ser espontâneo e carnal.
Este choque entre as tarefas regradas do dia-a-dia, e a necessidade que o sexo tem de ser algo não premeditado faz com que os casais entrem numa espiral muitas vezes irreversível de deterioração de vida sexual.

E isso leva-nos ao nosso próximo ponto.

———

Perdurar

Se isto não será certamente problema para jovens em começo de relação, relações antigas, onde o respeito já substitui em grande parte a paixão e o amor extinguidos, podem e sofrem muito com este problema.
Os nosso desejos sexuais são, muitas vezes, muito diferentes do que a sociedade dita como normais.
E isso não nos chateia.
Mas pode chatear o nosso parceiro.
Sabemos que os nossos pedidos podem ser mal vistos.
É fácil cairmos no erro de não os confiarmos à pessoa com quem partilhamos a nossa vida, com medo de sermos mal interpretados.

Outro factor que nos assombra é o de sentirmos atracção sexual (ou de outra ordem) por pessoas que apenas vemos na rua. Se nós a sentimos, é mais que normal que o nosso parceiro também o sinta.
Se os homens têm vasto repertório nesta secção, as mulheres não ficam longe.
Se uma mulher reconhece valor num homem carinhoso e paciente, não pode negar a atracção sexual que sente por outro homem mais voraz e despido de preconceitos, mesmo quando o seu parceiro tem tudo isto.

O que une o objecto de desejo, em ambos os casos, é a sua indisponibilidade.
O facto de podermos dar a conhecer apenas as nossas qualidades, sem termos de revelar as nossas fraquezas e defeitos.

A solução plausível para este problema seria conseguirmos olhar para o nosso amante como uma novidade constante. Mas como a própria palavra implica e impede, isso não é possível, por maiores que os nossos esforços sejam.

O amante sofre por vezes do complexo de que "nada do que já se conhece tem interesse".
Temos por conseguinte de encontrar de novo a nossa admiração por alguém.
De redescobrir constantemente o nosso ser amado.

E como podemos fazer isso?
Tudo o que apresente uma mudança ou um ciúme, desde que dentro do tolerável.
E como sabemos o que é tolerável para o outro?
Se não sabemos, devíamos.
Devíamos conhecer a pessoa com quem estamos.
É esse o problema de muitos casais.
Terminam não por falta de amor, mas porque não se conhecem para saberem até onde podem ir.
O que muitas vezes não coincide sequer com o "até onde querem ir".

Causar algum ciúme ao nosso parceiro, mudármos volta e meia de aparência e/ou roupa, lermos um novo autor ou ouvirmos um novo estilo de música — todos estes factores podem ajudar a revitalizar uma relação, desde que bem concretizados.

Os chamados ciúmes saudáveis são, de facto, o maior e melhor modo de revitalizar um casal aborrecido pelo desgaste do tempo e da vida conjugal.

E se essa tarefa é tudo menos fácil, mais complicado se torna porque as pessoas insistem em que esse é o caminho normal. Não é, e não tem de ser.

Seria óptimo se o casamento e o sexo pudessem coexistir de forma mais simples, agradável e duradoura, mas não é por o desejarmos que tal acontece. Devemos antes conhecer os melhores meios de ficarmos com a pessoa que amamos o máximo de tempo possível (e fazê-lo de forma agradável para ambos), se for esse o nosso desejo.

Devemos ainda saber que não tem de ser este o caminho. Porque existem outros, cada vez mais aceites socialmente. O importante, no fundo, é que cada pessoa conheça as opções de que dispõe e opte pela com que mais se identifica.

1.1.13

Como quando eramos crianças…

Não fará sentido para ti, 
pelo menos por enquanto
mas tudo o que eu faço não é por mim,
é pelos outros.

Temos de mexer nas pessoas
Mostrar que elas podem sonhar mais, ir mais longe
Mostar que não se devem prender ao que gostam
Mas encontrar o que amam.
E, quando encontram,
Largar... Deixar ir...

Devemos mostrar o outro lado
A outra perspectiva que,
mesmo que errada
Nos leva, pelo menos,
a um lado oposto
A uma visão diferente 

Não devemos ter medo de errar
Não devemos ter medo de mudar
Por vezes devemos abandonar amigos
Por vezes devemos abandonar amores

Mesmo quando é bom
Sobretudo se for demasiado bom...

O problema das pessoas é que procuram apenas isso
Conforto...
E quando o encontram a vida pára
E deixam-se morrer para tudo o resto
Tudo o resto que poderia ser

(mas como ver o resto, se não vêm mais do que têm…
Se estão cegas pelo que têm…)

A maioria das pessoas não se apercebe mas
Vive a vida dos outros, sonhos que não são seus

Basta olharmos à nossa volta…

Vivem o futebol como se fossem eles a jogar
Ouvem música sem a entender
Vêm filmes em vez de os viverem
Lêem sem entender...

A maioria das pessoas apenas absorve, e mal
Não se preocupam em criar
E não criam essencialmente porque têm medo
Medo de falhar
Medo da crítica
Medo de perder tempo...

Sem nunca entenderem que perder tempo
É o que estão a fazer se nunca tentarem criar nada

São, em geral, pessoas que apenas criticam
Que seguem as regras da sociedade tal e qual
Que absorvem uma dose elevada de televisão diária
Sem nunca entenderem a que escala o que vêm
É manipulado…

(e ainda fazem do que ouvem nos media a sua opinião
Indicando muitas vezes que é a sua opinião própria…)

Vêm filmes sem os entenderem
Preferem comédias românticas a um filme trabalhoso
Porque é mais fácil...
Porque é linear...

("vamos ao cinema? Mas vamos ver este filme que não me apetece pensar muito…")

Ouvem música simples
Porque não entendem nada mais complexo
Porque acham plenamente que a beleza da vida
está na simplicidade do que conhecem

Mas essa simplicidade, não é a melhor simplicidade 
A melhor simplicidade  é a que já foi complicada
Mas que foi "espremida" até ser simples, bela
Não é a música que ouves na antena3
Nem os filmes que ves no El Corte Inglês
Nem os livros que estão nos "Tops" da Fnac

Estamos aqui para saber viver
Para aprender a sermos objectivos, práticos
Para nos estimularmos e estimularmos os outros…

Mas as pessoas não se sabem isolar
Têm medo,
medo da solidão, medo de ficarem sozinhas
Procuram preencher tudo na sua vida
Com amigos, paixões, distracções

As pessoas não sabem estar com elas mesmas
Tornaram-se seres desesperados
À procura de preencher um vazio
Porque têm medo dele

Sem entenderem que o vazio é bom
E que é exactamente dele,
Que nascem as melhores ideias,
Os melhores momentos

Não tenham medo de se isolar
Tranquem-se no quarto
Criem coisas, experimentem,

Brinquem,
Como quando eramos crianças…

É tarde demais...


Ontem parece ter sido
Há tanto tempo atrás

Sinto que
Em todas as minhas vidas passadas
Fui apenas uma sombra de mim

Agora que te encontrei
Parece-me tarde demais...
E todo este mundo
Me parece tão sumido...

Somos apenas
Duas pessoas apaixonadas
Que temem uma pela outra
Que tremem uma pela outra

A nossa pele é de vidro
E sentimo-nos tão vazios sozinhos
Se nos tocarmos
Partimos...

Porque nos fizeram tão frágeis?
Porque apenas agora nos conhecemos...
Tão perto...
Do fim do mundo

Abraça-me e fica comigo
Enquanto o mundo morre
Sei que é o último dia na terra
Mas nunca vou poder dizer adeus...

O amor acaba
E queima os nossos corações
Não somos mais do que seres danificados

Agora abraça-me e fica comigo
Não me deixes ir...
Não quero ir...

Ela...


Os seus olhos eram dois traços verdes
As feições do seu rosto perdiam-se no fundo
O seu comprido cabelo loiro misturava-se na face
Movido pelo vento, numa praia sozinha 

A areia cobria gentilmente os seus pés
As suas pernas douradas pelo sol
Um véu azul cetim cobria os seus ombros 
Envoltos numa breve e amena aragem de verão 

Ela mordia os seus lábios rosa pálido 
Os cantos da sua boca formavam sorrisos
A sua pele tinha pequenas sardas 
E um tom queimado, aternurado pelo sol

Mergulhou as mãos no mar
Provou o sal com os dedos
Voltou-se para mim e disse algo
Sem que eu pudesse entender

Foi naquele instante que soube
Que era naquele momento
Que queria ficar
Para sempre.

Notas sobre o Ciúme


Quando conhecemos alguém, gostamos da pessoa pelo que ela é.
Um ser livre, desenvolto...

Erradamente — porque confundimos o direito de gostar de alguém com o erro de querer tomar posse da pessoa — domesticamos pouco a pouco a pessoa. E para quê? Para mais tarde dizermos que ela mudou, que está diferente, e que o encanto desapareceu.
Somos nós próprios que, por medo, por falta de confiança, apagamos o encanto das pessoas que achamos que amamos.
Mas isto não é amar.

Mas então porque não deixamos a pessoa ser tal e qual como ela era?
Em suma, porque não é fácil.
Nem para nós, nem para ela.

O "gostar de alguém" é acompanhado por diversos mecanismos negros, entre eles o ciúme. 
E, por favor, não me venham com a treta dos ciúmes saudáveis. Isso não existe. É uma desculpa para quem não gosta achar que gosta.

Quem gosta tem ciúmes e acabou.
Como os aprendemos a controlar, é outro assunto.

Ciúme é uma coisa séria, que deixa marcas, que magoa.
Mas se formos capazes, apenas permitimos que nos magoe a nós.

Na verdade, penso que ninguém tem o direito de exteriorizar ciúmes.
Penso ser uma coisa tão privada, talvez a mais privada que deva existir.
Mais privada do que a nudez, mais privada do que a mentira.

O ciúme pode e deve existir, mesmo o doentio (para os verdadeiros amantes).
Mas não pode nunca ter o direito de ser exteriorizado.

O verdadeiro ciumento procura o ciúme, vasculha por ele em cada relação que tem.
Sabe que o vai fazer sofrer e, inconscientemente, é mesmo isso que procura — sofrer.

Notas Sobre Felicidade


Nem sempre há uma razão para sentir o que sentimos.
É exactamente essa a piada da vida.
Não controlarmos tudo, não controlarmos nada.
Percebermos que não somos nada nem ninguém, e que nunca fomos verdadeiramente "donos" de seja o que for ou de seja quem for.

Tem piada como a vida nunca muda, mas nós mudamos ao longo dela.
Não existem fases, tudo é uma enorme fase chamada vida.
E, ao longo dela, vamos conhecendo pessoas com as quais queremos partilhar momentos. Momentos que se podem tornar inesquecíveis, momentos que não deveriam acabar.
A felicidade é isso mesmo.
Felicidade é aprender a pensar mas mesmo assim conseguir atingir momentos em que nos esquecemos de o fazer, e apenas sentimos.

Felicidade é sentir sem o sentir.

E como é belo não sentir nada...

A fasquia eleva-se — quanto mais sabemos, mais precisamos para sermos felizes — porque mais consciência temos.
A inconsciência não nos dá ilusão de felicidade, mas sim felicidade real. Por isso somos tão felizes quanto somos novos. Não temos consciência.

Com a construção da consciência desenvolvemos mecanismos diferentes de felicidade (numa perspectiva optimista).
Mas no meio disso, a maioria das pessoas comete um terrível engano.

Confundem prazer com felicidade. 
Prazer não é felicidade, porque felicidade não é momentânea.
Se o prazer é um segundo, a felicidade é uma fase.
Não há um motivo que nos faz felizes, é a vida que o faz por nós.
Dai termos dias em que estamos felizes, sem fazermos ideia porquê.

Notas Sobre Arte


A arte é arte apenas se revelar a experiência do artista.
Subjectivamente, tomamos por arte algo que sentimos ser maior do que nós, o que é, quase sempre, sinónimo de que o artista é mais experiente que nós.

Existem casos em que a arte transcende o próprio artista. A isso chama-se arte verdadeira. Essa é a única forma de arte que merece ser apreciada.

A arte tem mais relação com a diferença do que com a beleza.
A beleza apenas é apreciada enquanto elemento raro.
A vulgarização do belo torna-o obsoleto e, consequentemente, não arte.

Um verdadeiro apreciador de arte não pode apenas expor-se a ela. Tem de a criar. Um artista é claro um observador nato, mas tem de perder o receio de passar essa barreira.

O artista deve criar na área na qual tem maior conhecimento.

O artista não deve aceitar a critica de qualquer pessoa. A arte apenas é arte se mantiver um carácter elitista. 

O problema de amar alguém


O problema de amar alguém é que não podemos voltar atrás. 
Temos tanta pressa em ter a pessoa amada que nos esquecemos que o processo até amar é a melhor parte.
Quando se ama e se é amado, o ciclo fecha-se.

Se conseguíssemos estar com alguém sem fechar esse ciclo poderíamos muito bem ser as pessoas mais felizes do mundo. 
Mas tal é complicado, para não dizer impossível, pois ambas as partes envolvidas cometem o erro de se apressar para o final, não aproveitando ao máximo o trajecto até lá chegar.

E quando queremos voltar atrás um bocado, só um bocadinho, não podemos. O amor é uma prisão, não permite que as pessoas se deixem de amar para voltarem à melhor fase - a fase em que se apaixonam.

O problema de amar alguém é que não podemos voltar atrás. 
Mas que eu queria, queria...
Mas que eu dava tudo para voltar, dava...
Mas não posso...

O que fazer agora?

Se o erro foi querer ter, a solução deve passar por libertar.
Ao abandonarmos a pessoa amada estamos a libertá-la da prisão do nosso amor. Estamos a conceder tanto a nós como a ela liberdade. Liberdade para recomeçar, liberdade para nos apaixonarmos de novo, liberdade para não amar por uns tempos... Até cairmos no mesmo erro.

Se isto for verdade, porque é então tão complicado abandonar a pessoa que amamos?
Em suma, porque somos seres egoístas.
Porque se sabemos que temos algo que outra pessoa quer, vamos querer mantê-la nossa, mesmo que já não a queiramos.
O egoísmo é, sem dúvida, a qualidade que nos mais faz sofrer. 

E por isso amar é sofrer.
E é precisamente por isso que toda a gente diz ter certeza que já amou. Porque já toda a gente sofreu.

A Nossa Cidade


A cidade onde moro tem uma força imensa sobre mim.
Não quero o paraíso, não quero o Inferno.
Estou bem aqui.
É nas suas ruas que deambulo de noite, sarando as feridas da vida.
Todos os pecados são esquecidos…
Quando nos deixamos perder na nossa bela Lisboa.

A Realidade É Real

É a isto que chamamos vida?
Onde queremos controlar tudo
Organizar tudo
Domar tudo...

Entre pequenos livros e grandes écrans
Achamos que é isto...
Pequenos prazeres
Comer, dormir...

A vida está lá fora
Não está nos livros
Não está nos écrans


Aprendemos a deixar de viver
Para apreciar a vida que nos é distante
Gostamos de ver miséria na televisão
Porque temos medo dela…

Gostamos de ver felicidade na televisão
Porque temos medo de lhe tocar...

Deixámos de sentir
As sensações que nos chegam são incompletas…

Mas nós tomamo-las por verdadeiras
Por sensações totais, reais...
Porque a realidade é muito mais dura
Mas muito mais real.

A realidade é real.

17.7.12

Envelhecimento

Nenhum fenómeno em toda a vida do ser humano padece tanto das mais variadas justificações para um simples e natural facto: envelhecer é normal.
As pessoas não se deveriam preocupar em envelhecer. Apenas se deveriam preocupar com sintomas de envelhecimento precoce, os quais apenas cerca de 1% da população apresentam.

Mas o que mais me fascina são as variadas justificações que as pessoas apresentam quando se sentem envelhecer. 
Falam do envelhecimento como um processo óptimo, onde entramos em contacto mais profundo com o nosso "eu" interior. Tornamo-nos seres mais selectivos, mais calmos, mais sábios e mais astutos.
Este processo culmina no casamento e, quem sabe, um ou dois bebés.

Mas está tudo doido? 
Envelhecer nunca pode ser bom!!! Parem de tentar amenizar e admitam que, mais rapidamente do que qualquer um de nós esperava, caminhamos para um penoso processo de fossilização do ser!!!

A juventude, e tudo que ela tráz: beleza, despreocupação, leveza do ser, etc... JAMAIS poderão ser substituídos por calma, harmonia, sensatez ou seja o que for.
Que velho, no seu perfeito juízo, não trocaria todas estas qualidades pela possibilidade de ter 15 anos de novo?
Porque não se admite de uma vez por todas que, por mais que envelhecer traga, de facto, algumas coisas boas,  não compensa?

A minha favorita é quando dizem: "gostava de ser mais novo, mas ter 15 anos de novo não... Uns 30 era perfeito". 
De novo... Mas está tudo maluco? 
Ninguém tem consciência do valor dos anos de vida?!?!

O envelhecimento é um processo irreversível e penoso. 
Mas é também essencial para manter algum controlo de qualidade e para que as pessoas dêem valor à vida e tentem fazer alguma coisa palpável dela.

P.S. Não consigo entender, de igual modo, porque são sempre os velhos que andam mais devagar. Não deveriam as pessoas com menos tempo ser as mais apressadas?

O Penoso Caminho Para Um Destino Incerto

O amor é, sem duvida, a área das nossas vidas onde mais sofremos em busca de um destino plausível e altamente mutado por ideias exageradas do amor. Estas ideias são-nos dadas pelas músicas, livros e filmes com os quais temos contacto todos os dias. Somos bombardeados com histórias de amor impossíveis, de tão belas e infinitas que são. 

Chegamos a um ponto em que apenas anseamos por um destino, seja ele qual for: bom ou mau.

O grande problema é o de que, no processo moroso de busca por esse destino, acabamos por partilhar grande parte da nossa vida com pessoas que não nos compreendem. Não compreendem a nossa alma, os nossos meios e, muito menos, os nosso fins.

A Falácia da Literatura

Ler torna-se rapidamente um vício.
Quando um ser se torna curioso a um ponto aceitável, entende que o conhecimento não está na música nem nos filmes - está nos livros.
Os livros fazem-nos sonhar, porque nos obrigam a sonhar, a construir mentalmente  o que lemos.

Mas, se ler se tornar um vicio de construção mental, o que acontece ao nosso lado prático da vida? 
O grande problema de mergulharmos no vício da literatura é exactamente esse. É tão belo que nos desliga da realidade. Esta perde o seu interesse porque aprendemos que ela não existe de facto. Aprendemos que nada é real.

O problema é exactamente esse. Apesar de tudo, o nosso corpo físico ainda habita o mundo real, e não o tal outro belo mundo que construímos. 
É então normal que o leitor queira transportar o seu corpo físico para o mundo mental que criou. Mas, com todos sabemos, tal é, por enquanto, impossível.

É aqui que se dá a grande falácia da literatura.
O leitor assíduo, impregnado, acha que o mundo que criou deveria substituir o mundo real porque, para ele, é imensamente mais interessante.
Isto faz com que ele deixe de experiênciar a vida no seu sentido pleno optando, sem entender, por sentir o mundo de uma forma demasiado deslocada comparativamente às pessoas que não agem deste modo.

Em suma, o vício pela literatura afasta demasiado as pessoas do mundo real.
Dá-lhes a crer que este tem infinitamente menos interesse, porque não é exclusivamente delas.
Toda a gente pode habitar o mundo real, ao passo que no nosso mundo só entra quem nós queremos.

Mas por mais belo que seja o nosso mundo privado, com um mundo real tão bonito, isto não deixa de ser uma pena.

Mentir

Sem mentira não poderia existir vida, pelo menos como a conhecemos.
A mentira é um bem essencial que, felizmente, está ao alcance de todos.
Toda a gente pode mentir, embora pouca gente o saiba fazer de forma convincente.
Isto porque um dos principais problemas de mentir é o facto de nos tornar seres constantemente atemorizados, preocupados com o que dissemos 2 dias antes... Porque a historia tem de ser igual.
A mentira cria, no fundo, variadas versões da verdade. Quanto mais próximas forem, melhor a mentira e, subsequentemente, melhor o mentiroso.

Uma e vantagens da mentira é o trabalhar da memória. Mentir e segurar a mentira trabalha a flexibilidade da nossa memória como nada mais. Os mentirosos mais prodigiosos apresentam uma memória mais durável, mais flexível e mais duradoura.

No fundo, se não mentires, nunca tens de te lembrar de nada...

A mentira gera um mundo paralelo, mas também tangente ao nosso.
Depois de mentir é preciso saber aguentar e gerir este mundo que criámos.
Esse mundo dá muito mais trabalho do que o nosso...

O mentiroso é, em geral, um ser sofredor.
Sofre porque desconfia constantemente da verdade.
Quer saber a verdade absoluta, mais do que qualquer pessoa.
Um mentiroso idolatra a verdade, e sofre por achar que nunca a vai saber porque, assim como ele, toda a gente mente...

Mas verdade seja dita, a verdade apresenta, na maioria das vezes, um tédio absoluto. 
A verdade é para pessoas com falta de imaginação.
A mentira para os que sabem dar valor ao sofrimento.

Os Belos Olhares

Pode ser apenas impressão minha, mas de todas as pessoas com quem me cruzo na rua, parece que pertencem a apenas dois grupos: as que caminham como se quisessem ter mais do que podem realmente ter, e as que acham que têm menos para oferecer do que realmente têm.
Parece não existir um intermédio, o que seria interessante.

Ou nos fitam com um olhar constrangedor, que mata o mistério, o encanto e todo o método inerente a estas coisas, ou olham para o chão ou para o céu, como se o facto de parecerem indisponíveis as pudesse tornar mais interessantes.

No meio de tudo isto, volta e meia, apanhamos um sorriso que faz o dia valer a pena. Um sorriso cúmplice, que não precisa de nada mais para além dele mesmo. 
Um segundo tão intimo, partilhado em pleno espaço publico, que chega por ele mesmo, não precisando nem de mais tempo, muito menos de palavras.

São os belos olhares.

Traição

É impossível nunca ser traído.
O único modo de nunca o sermos seria nunca gostarmos de alguém.
Vendo deste prisma, mais vale aceitar que vamos, de algum modo, a alguma altura na vida, ser traídos.

Toda a gente tem segredos.
E é bom sabermos que foi exactamente isso que nos atraiu.
Que direito temos de querer agora domesticar alguém, de exigir que esse mistério se dissipe?
Para depois deixarmos de gostar de alguém, precisamente porque já não é a mesma pessoa que conhecemos?
Como podemos auto-destruir uma relação assim, de forma tão idiota?

Ninguém é de ninguém.

Amar alguém é deixar prevalecer, aceitar o mistério.
É não querer saber tudo.
É, por vezes, fugir da verdade, mesmo quando está diante de nós.
Sentir que fomos traídos faz parte de amar.
É sinal de que amamos, gostamos e nos preocupamos.
Poucas mais verdades existem sobre a traição.